Naufrágio do grande White Ship e a morte do Príncipe William Adelin

 



Os naufrágios sempre mudam a vida de muitas pessoas. A embarcação que afunda pode levar consigo muitas vidas daqueles que só pretendiam viajar de um ponto a outro, mas encontram o seu próprio fim antes do trajeto de sua viagem ser concluído. Em um momento, podem estar festejando e se embriagando. No outro, percebem que o casco do navio foi perfurado e a tripulação tenta fazer algo para solucionar o problema. Sortudos conseguem sobreviver ao fatídico naufrágio, traumatizados, para contar a história. Mas outros que se vão podem, mesmo na morte, gerar grandes problemas. Para os parentes e amigos que recebem a notícia, o luto é certo. Noutros casos um reino inteiro pode entrar em estado de melancolia e terror.


Foi esse o caso quando o White Ship (Navio Branco) naufragou com William Adelin (1103-1120). Muitos outros morreram com o navio que afundou nas águas frias do Canal da Mancha (ou “English Channel”, para os ingleses) na noite de 25 de novembro do ano de 1120. No entanto, a morte de William foi a mais significativa para os rumos políticos do trono inglês. William Adelin era Príncipe. O único filho homem de Henrique I (1068-1135) da Inglaterra, portanto herdeiro direto ao trono do pai. No dia de seu naufrágio, Adelin bebia e festejava muito. Todos bebiam muito. Inclusive, a tripulação do navio não estava com medo dos ventos ou do mar. A natureza parecia tranquila e o navio era o mais moderno de toda a frota imperial.

Uma das pessoas que naquela noite bebia e se alegrava era o responsável por controlar a roda do leme do navio (instrumento que serve para controlar a direção da embarcação acionando o dispositivo chamado leme). Um timoneiro chamado Thomas FitzStephen. Pela madrugada Thomas já estava bêbado. Em seu estado alterado não percebeu a arma natural que as águas tranquilas escondiam. O navio se encontrava na região da baía de Barfleur, Normandia, quando ocorreu o choque.

Nenhum canhão, nenhuma frota inimiga, nada além de uma inerte rocha. Considerando o fato de a noite estar clara, permitindo boa visibilidade do mar, é estranho não terem desviado. Por outro lado, quando descobrimos que se tratava de uma rocha submersa, começamos a nos questionar se faria alguma diferença se a tripulação estivesse ou não alcoolizada. Tais rochas submersas se apresentam até os dias de hoje como grandes perigos para quem se aventura pelo mar.

Contavam as más línguas, depois do ocorrido, que todos os náufragos já tinham selado seus destinos no momento em que aceitaram realizar a viagem no White Ship. Afinal, contava-se que os padres não possuíam permissão para adentrar a embarcação. E o pior, também não tinham autorização para abençoar o navio. Já o monge beneditino e cronista francês, Guillaume de Nangis (???-1300), defendia a teoria de que o White Ship havia naufragado por castigo divino. Todos os homens na embarcação seriam “sodomitas”. Segundo ele, por manterem relações sexuais com outros homens haviam recebido um final trágico.

Desconsiderando as más línguas, podemos dar ouvidos àqueles que observaram o fato. Na verdade, aquele que observou. Apenas um sobrevivente do White Ship teve a sorte de continuar vivo para relatar o que se passara dentro do navio. Cerca de 300 pessoas estavam a bordo. O sobrevivente conseguiu se salvar apenas por ter enfrentado seu algoz, se segurando na rocha que havia furado a embarcação. Por conta de um açougueiro chamado Berold, que se tornou a única testemunha ocular, sabemos que William Adelin conseguiria ter escapado com vida do desastre. Utilizou um pequeno bote, mas gritos fizeram ele optar por retornar ao navio que afundava. Eram os gritos de sua meia-irmã, Condessa de Perche chamada Matilde. Talvez, mesmo que apenas por alguns segundos, tenha passado pela cabeça de William ignorar os gritos de Matilde e salvar sua própria vida. Porém, caso tenha refletido algo do tipo, tratou de não dar ouvidos aos próprios pensamentos. William regressou em busca da irmã. Quando os náufragos, desesperados e largados a própria sorte, perceberam o pequeno bote, imaginaram que estavam salvos. Pularam em busca da salvação. Infelizmente o bote não suportou. William Adelin e os outros afundaram juntos nas águas do Canal da Mancha.

Um detalhe muito interessante nesse naufrágio é que timoneiro, Thomas FitzStephen, optou por se deixar afogar. Decidiu por isso depois de ver que o Capitão e, especialmente, o Príncipe tinham morrido. No primeiro momento, depois do resgate do único sobrevivente, a notícia foi escondida do Rei Henrique I. Os cortesãos temiam a reação de Henrique I ao saber da morte de seu único filho homem. Decidiram então enviar uma criança para dar a notícia. O Rei entra em desespero e é levado aos aposentos.

De todas as vidas tragicamente perdidas, a morte do Príncipe foi mais significativa politicamente. Causou a ruptura da sucessão ao trono de Henrique I, pai de William. A consequência direta de sua morte foi o início de um período de conflitos (contestando a autoridade da Imperatriz Matilda que assumiria o lugar do irmão morto) entre 1135 e 1153. Período da história da Inglaterra que chamam de “A Anarquia”. Anos de tristezas para aqueles que sofreram com a guerra.


Referências

SPENCER, Charles. The White Ship: Conquest, Anarchy and the Wrecking of Henry I’s Dream. HarperCollins UK, 2020.

STRAHL, Harriet Claire. ‘Compassion Alone Moved Me to Tell This Story’: Orderic Vitalis on the Wreck of the White Ship. Journal of Medieval History, v. 51, n. 1, p. 55-80, 2025.

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