Em um dia qualquer, o Jornal do Commercio (AM) de 27 de agosto de 1954 dava muita atenção para o acontecimento mais destacado daquela semana: o suicídio do Presidente Getúlio Vargas, três dias antes. O assassinato do líder da oposição, deputado e jornalista Carlos Lacerda, no dia cinco daquele mês, havia desencadeado uma crise política para o governo. O suicídio de Vargas impediu a sua possível deposição, como havia ocorrido em outubro de 1945. Na primeira página, imagens tentavam mostrar como a morte de Vargas teria abalado “a massa popular”. Em uma das fotos, uma mulher chorando, segurando um lenço, lamentava a morte do Presidente.
Na página três, oferecendo lazer para além das preocupações políticas, o jornal exibia as atrações do Cinema Avenida. A “sessão CHIC das Moças – às 20h”. Os destaques eram o filme italiano “Canção da Primavera” (1951) e o americano “Vingança dos Piratas” (1951 - “Anne of the Indians, no original”). Sobre o "drama-comédia" italiano, dirigido por Mario Costa e protagonizado por Leonardo Cortese, Delia Scala e Tamara Lees, a publicidade afirmava que o espectador teria “Um coquetel de emoções”. Vingança dos Piratas, filme protagonizado pela atriz Jean Peters, era seguido apenas dos informes sobre sua sessão. Mas é um filme, com direção do francês Jacques Tourneur e produzido pelo americano George Jessel, que conta as aventuras da capitã pirata Anne Providence, ambientado no século XVII. Destaque para o filme brasileiro “O homem dos papagaios”, direção de Armando Couto, que conta as confusões de Epaminondas (Procópio Ferreira) quando começa a fingir ser rico após o patrão da casa que trabalha, como zelador, viajar de férias. Esse filme foi o segundo em que Eva Wilma apareceu no cinema.
Entre outros textos sobre política, na terceira página também era possível ver um anúncio das “Pílulas do Abbade Moss” contra prisão de ventre e dores no estômago. Segundo a publicidade, problemas como “vertigens, rosto quente, falta de ar, tonturas” e outros, estavam ligados com o aparelho digestivo. As pílulas “usadas por milhares de pessoas” seriam o tratamento. Em outras publicidades se afirmava que “preguiça, ira e gula” poderiam não ser “vícios”, mas “doenças” (RODRIGUES, 2015, p.4). As “Pílulas do Abbade Moss” emergiam então como solução.
Referência:
RODRIGUES, Gabriel Kenzo. A medicalização da força de trabalho: a instituição de um modelo de saúde através da publicidade na década de 1930. História Revista, 2015, v. 20, n. 2, p. 20-39.
Dell,
ResponderExcluirEste texto é uma verdadeira viagem no tempo. É impressionante como, em meio a acontecimentos políticos tão dramáticos o suicídio de Vargas, a crise provocada pelo atentado a Lacerda, a vida cotidiana continuava, com jornais oferecendo cinema, entretenimento e até remédios milagrosos para males da alma e do corpo. Há algo de poético e ao mesmo tempo inquietante nesse contraste: o luto e a tensão política na primeira página, e, logo em seguida, filmes italianos e americanos prometendo emoções e pílulas prometendo soluções rápidas para os desconfortos da vida.
Sua narrativa nos faz perceber como a sociedade lida com a fragilidade humana: entre o horror e a distração, entre a política e o lazer, entre o sofrimento e a promessa de cura, por mais improvável que seja. É um retrato de tempo, cultura e comportamento que nos lembra como a vida insiste em continuar, mesmo diante dos maiores abalos.
Interessante 🧐
Abraço ,
Fernanda
É realmente muito interessante, Fernanda. Apesar de tudo a vida tende a resistir. Agradeço pela visita e comentário.
ExcluirDell,
Excluireu que agradeço pela acolhida e pela delicadeza da sua resposta.