CHESPIRITO E A AVERSÃO A HOMOSSEXUAIS EM CHAVES E CHAPOLIN




Roberto Gómez Bolaños sem sombra de dúvidas foi um artista muito – ou como diria o Chaves, “muitissíssimo” - talentoso. Suas habilidades se mostravam geniais tanto no roteiro quanto na direção e atuação. Com o reconhecimento de seu grande talento veio o apelido que o comparava a um pequeno Shakespeare, se tornou então em “Chespirito”. Entre suas diversas criações estão o seriado Chaves (1971-1980) e Chapolin (1973-1979). Transmitidos no Brasil desde a década de 1980 até o presente momento (2019), os episódios ainda provocam muitas risadas e aumento de audiência. Chaves e Chapolin são vistos como séries com um humor leve, não ofensivo, descrito por muitos como um “sem apelação”. No entanto alguns problemas se apresentam nas séries, problemas que para a época nem eram entendidos dessa forma, mas atualmente podem ser percebidos assim, mas nem sempre são. 

Em um ensaio de Ilan Stavan, professor de cultura latino americana na Amherst College (EUA), no Uol Notícias (LINK) comenta que os programas de Chespirito não tratava questões como violência, aborto ou homossexualidade. De fato, até hoje não vi nenhum programa de Chespirito falando sobre aborto, mas é um pouco complicado negar que a violência não seja tratada em Chapolin e Chaves. Chapolin era um herói, batia apenas em malfeitosos malfeitores, e algumas vezes em quem esperava sua ajuda. Mas isso era sem querer querendo, pois seus movimentos eram friamente calculados. Chaves muitas vezes é um ciclo de violência: Seu Madruga belisca Quico, Dona Florinda dá em Seu Madruga uma tapa, Chaves é sempre culpado e Seu Madruga lhe dá um golpe na cabeça, o menino começa a chorar e entra em seu barril. 

O professor Ilan Stavan provavelmente, quando comenta que o programa não tratava diretamente assuntos como violência, se referia ao fato de isso não ser problematizado. No entanto podemos considerar que era reproduzido, não? E quando o tema era homossexualidade, será que Chespirito realmente não tratava sobre esse assunto? Ou será que o assunto era tratado, mas reafirmando e concordando com discriminações normalizadas no período?

O título desse texto só não é “A homofobia em Chaves e Chapolin” por conta de poder ser visto como tentativa de polemizar. A pretensão do texto é outra, refletir sobre a retratação da questão da homossexualidade nessas duas obras de Bolaños. O objetivo não é fazer pessoas odiarem ou deixarem de assistir os episódios, mas promover ao menos uma breve reflexão sobre como os tempos mudaram e perceber que muitas mudanças são boas. Mas não dá para negar que a retratação sobre o homossexual nas duas séries se dá de forma homofóbica.

Já vi muitas pessoas “estudadas”, como diria minha avó, pensarem que o termo “homofobia” se trata de “ter medo de homossexuais”. Afirmam que como não existe uma pessoa com medo de homossexuais a homofobia não existe. Porém o termo “fobia” na palavra não indica o sentido de “medo” e sim de “aversão”. Um exemplo é como acontece no termo “xenofobia”, ou seja, aversão ao estrangeiro. 

Nos dois seriados de Bolaños o termo aversão descreve bem as reações dos personagens quando entram em contato com alguém que reconhecem como homossexual. Em alguns casos outro termo se encaixa mais para descrever as reações dos personagens, “nojo”. Sim, Bolaños representou em alguns momentos a homossexualidade como algo que causa nojo.

A representação de aversão pode ser observada no episódio “Lo Bueno de Tomar Fotografias Es Cuando Te Salen Movidas” (1978) de Chapolin, que no Brasil possui o título de “Olha o passarinho!” conhecido como “A bailarina Mangova”.

No episódio um jornalista (Carlos Villagrán) invoca o Chapolin colorado e lhe pede ajuda em uma tarefa. O jornalista foi obrigado pelo chefe a fotografar a bailarina russa Mangova (Florinda Meza), no entanto ela nunca deixou ninguém a fotografar. Para conseguir finalmente uma foto da bailarina pede a ajuda de Chapolin, que ao saber do enorme segurança da bailarina (Ruben Aguirre) desiste de ajudar. Chapolin se convence em socorrer o jornalista ao saber que se ele não conseguisse a foto seria demitido. Em um momento do episódio a bailarina conta porque não gosta de ser fotografada. O episódio então se torna uma história dentro da história – bem comum nas obras de Bolaños – que conta um caso ocorrido em um quartel. Em um dos momentos nessa história uma fotógrafa entra disfarçada de soldado e começa a falar com Chespirito – personagem que tem como nome o apelido de Bolaños e também é interpretado por ele. A mulher estava em busca de uma fotografia do general do lugar, Chespirito havia entrado na sala vestindo as roupas do general e a mulher se confunde. Pensando que Chespirito é o general começa a flertar com ele. Chespirito acredita que ela é um homem. 

Nesse momento o personagem Chespirito se mostra incomodado com a situação e diz algo como “Olha soldadinho, o quartel é para homens. Homens como eu, como o sargento Chori... Você conhece o sargento Chori?”, a mulher disfarçada de soldado responde “Claro que sim, somos amigos íntimos”. Chespirito então se assusta dizendo “Tô fora” e sai do lugar. Um pouco depois o personagem Chespirito vê a mulher disfarçada e o sargento Chori muito próximos e a mulher dizendo “Eu pensei que você gostasse de mim como eu gosto de você”. Após declarações amorosas de um para o outro, em quanto Chespirito observava atônito da porta que dava entrada para sala, Chespirito deixa seu cigarro cair da boca e sai correndo do lugar assustado com a situação.

Nesse episódio fica muito claro como a homossexualidade era representada como algo estranho, geradora de aversão. Além disso, um homossexual não era visto como homem pelo personagem Chespirito. 

Em um momento após Chespirito observar o sargendo Chori se declarando para a mulher – que Chespirito pensava ser homem -, o sargento vai até ele e põe a mão sobre seu ombro. Chespirito retira a mão de Chori do ombro e diz “Me solta. Eu vi você conversando com o soldadinho”. Nesse momento a retratação da homossexualidade como algo “nojento” pode ser observada, mas essa representação é muito mais perceptível no episódio de Chaves intitulado “Somos cursis” (1977), no Brasil “O professor apaixonado”.

Enquanto Seu Madruga dá aulas de conquista para o professor Girafales Quico e Chaves espreitam pela janela e entendem tudo errado. Pela situação que observam entendem que Seu Madruga está se declarando para o professor, e esse muito empolgado com a declaração. 

Chaves e Quico conversam sobre o que viram e Quico decide contar tudo para sua mãe. Logo após isso o professor Girafales vai até a casa de Dona Florinda para usar os conhecimentos aprendidos com Seu Madruga. No mesmo momento Seu Madruga sai de sua casa para convidar Chaves para comer um sanduiche, com o dinheiro que recebeu por ter dado aulas de conquista ao professor Girafales. 

Quando Seu Madruga se aproxima e toca o ombro de Chaves, o menino se afasta assustado e passa ambas as mãos em movimentos rápidos sobre o ombro para “limpar” onde Seu Madruga havia tocado. A cena representa nitidamente que Chaves estava com repulsa a seu Madruga apenas por acreditar que ele era homossexual.

O professor recebe uma tapa de Dona Florinda e após essa incentivar o filho “não se meter com essa gentalha” Quico começa seu bordão.“Gentalha, Gentalha...”, mas não chega a completar a ação, para não ter que tocar no professor Girafales. O termo que expressa a reação de Quico nesse momento é “nojo”.

As situações dos dois episódios apresentados são usadas como piadas por Bolaños e na época isso podia até ser visto como normal, mas atualmente sabe-se – ou deveríamos saber – que esse tipo de piada é ofensivo. Não se trata de proibir a exibição da obra ou censurar cenas, mas refletir sobre como os tempos mudaram, refletir que se for para não ofender um grupo de pessoas não custa nada ao humor retirar esse tipo de “piada”. Chaves e Chapolin continuariam sendo engraçados sem essas cenas, na verdade essas cenas retiram a experiência de riso – ao menos para mim. No momento em que a cena de Chaves limpando o ombro aparece toda vez provoca em mim a quebra da imersão no humor. Mostra que a obra é datada, provoca a reflexão sobre o tempo, sociedade e personagens que a produziram. Além disso, provoca a reflexão de como o nível do que é ou não aceitável na TV mudou, e que bom que mudou.

Episódio "O descobrimento da tribo perdida"
Imagem: Reprodução/Multishow
Recentemente, em 2018, a Multishow, canal de TV pago que comprou o direito de exibição de alguns episódios de Chaves e Chapolin, se viu dentro dessa questão. Uma piada com teor homofóbico foi modificado em um dos episódios de Chapolin. O público normal nem notaria, mas os fãs perceberam e pediram explicações. A Multi Show prontamente explicou, deixou bem claro que o mundo muda e às vezes para melhor. Uma responsável se pronunciou:



"Existe, por trás, obviamente, um cunho homofóbico, uma coisa mais machista. Entendemos que era uma piada preconceituosa. Lá atrás, nos anos 70 e 80, era considerada normal, mas felizmente hoje não é mais aceitável. Você não diria isso para o seu filho, estamos em um outro momento da vida. Tentamos suavizar isso"


Escrevi esse pequeno texto por conta de, fora esse caso da Multishow, nunca ter visto nada falando ou refletindo sobre a visão homofóbica presente em alguns episódios de obras de Bolaños. Essas “piadas” causam uma desconexão com a “inocência” do seriado, param o riso e provocam, ou deveriam, reflexões sobre o tempo e sobre a sociedade.

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