Simão o Mago entre simonia e bruxaria diabólica


Jeffrey B. Russel em seu livro "História da Bruxaria" afirma que "A bruxaria diabólica foi inventada na Idade Média". Com isso afirma que a feitiçaria simples sempre esteve presente antes desse período, mas os atos mágicos com auxílio de demônios seriam uma ideia presente apenas a partir do final da Idade Média. No entanto, figuras como Simão o Mago fazem parecer que a crença cristã em pessoas que realizam atos com auxílio demoníaco é frequente desde pelo menos o segundo século da Igreja.  

"A queda de Simão, o Mago". Pintura do século XVIII
por Pierre-Charles Trémolières.

Simão o Mago é um personagem que na Bíblia aparece apenas em Atos (8:9-24). Realizava prodígios mágicos na cidade de Samaria (atualmente entre Cisjordânia e Israel) quando se encontra com o apóstolo Filipe. Esse pregava o evangelho e realizava milagres. Simão ficou fascinado com aquele poder e aceitou o batismo.

Pedro e João, depois de saberem que o povo em Simaria aceitara a Palavra, foram até a cidade em que estava Filipe. Com imposição de mão fizeram descer o Espírito Santo nos batizados.

Vendo aquilo Simão disse "Dai-me também este poder, que aquele sobre quem eu impuser as mãos, receba o Espírito Santo". Pedro, o Primeiro Papa, respondeu "Pereça contigo o teu dinheiro, pois julgaste adquirir por meio dele o dom de Deus". Simão o Mago teria então sido o primeiro a tentar comprar bens espirituais. Por conta dele a prática de compra e venda desses bens é chamada de "Simonia" (ato de Simão).  Simão é duramente reprimido por Pedro que avisa que ele deve rogar por perdão divino. O Mago então diz "Rogai vós ao Senhor por mim". 

Na bíblia acaba aí a presença de Simão. No entanto, no livro apócrifo de "Atos de Pedro" o Mago é um personagem bastante presente que teria sido o responsável por um grande número de apostasias de membros da Igreja.

No apócrifo é contado que depois de ter sido repreendido por Pedro, Simão entra em um conflito de prodígios com esse apóstolo. Após ser derrotado, o Mago engana e rouba uma mulher rica na cidade de Jerusalém. Com o dinheiro foge para Roma. Naquela cidade começa a fazer prodígios e muitos abandonam a Igreja para o seguir, inclusive um senador chamado Marcelo.   

Pedro é chamado por Deus para ir até Roma, quando chega lá vê que muitos fiéis saíram da Igreja e responsabiliza a ação do Diabo. Pedro vai até a casa de Marcelo, onde esse se encontrava com várias pessoas incluindo Simão.

O apóstolo é proibido de entrar na casa. A partir disso faz com que um cachorro entre e fale uma mensagem ríspida para todos que se encontram lá dentro. Depois da mensagem Marcelo se arrepende e pede o perdão divino. O cachorro falante, fazendo mais do que havia ordenado Pedro, lança uma maldição sobre Simão (imagina o quão ruim deve ser receber uma maldição de um cachorro falante) e por falar mais do que o ordenado o cão morre.

Alguns presentes na casa pedem que Pedro faça mais um milagre para que consigam crer em sua pregação sobre o Deus vivo (meio exigentes, não?), com isso o apóstolo pega um peixe defumado e o lança em uma pequena piscina. O peixe volta a viver. Depois desse prodígio Simão é expulso da casa pelo próprio senador Marcelo.

Depois disso o Mago corre até Pedro, que já estava em outra casa, mas esse se nega a falar com ele e envia uma mulher com um bebê de colo. A mulher fica calada e quem fala é o bebê. Com uma voz forte e "viril" o bebê diz que Simão deve sair da cidade de Roma e deve voltar no próximo sábado para um confronto com Pedro - embate que vai ser endossado em sonho pelo próprio Cristo -  diante de testemunhas.

Depois de Pedro contar a história de Eubola, mulher que Simão havia enganado e roubado, retorna para a casa do senador Marcos onde realiza curas e aguarda o sábado. Marcelo tem então uma visão. Nela consegue ver o demônio que promovia as magias prodigiosas de Simão.

No sábado, Pedro e Simão iniciam o duelo com os dois se atacando com palavras. Simão insultava Jesus. Pedro contou sobre a tentativa do Mago de comprar o Espírito Santo e o fato de ter roubado uma mulher rica em Jerusalém.

Depois os prodígios iniciam. Simão mata um servo depois de falar palavras em seu ouvido. Pedro o ressuscita sem nem mesmo chegar perto dele. Após isso, faz viver dois filhos de mulheres viúvas. Simão tenta fazer o mesmo, mas fracassa. Pedro então é declarado o vencedor.

Ainda com a derrota Simão continua fazendo seus prodígios em Roma. Depois de perder público arquiteta um grande ato que o faria angariar novos seguidores. Divulga então que iria voar sobre a cidade e todos poderiam ver. 

No momento de seu voo os apóstolos podiam ver que Simão era carregado por demônios voadores. Seus feitos eram obra diabólica como o senador Marcelo havia visto em revelação. Pedro, no momento em que Simão realizava seu ato, começou a fazer preces. Por conta disso os demônios se assustaram e fugiram, largando Simão o Mago à sua própria sorte. O Mago então, sem os poderes demoníacos, caiu de seu voo. Além de uma perna quebrada sofreu com a humilhação e expulsão da cidade de Roma. O Mago morreu na cidade de Terracina (Itália).

Uma noção de prodígios realizados por pessoas com o auxílio de demônios parece então ser mais antigo na tradição cristã do que a "bruxaria demoníaca" que Jeffrey B. Russell indica surgir na Idade Média. 


Referências:
Atos dos Apostolos Capítulo 8, Versículos do 9 ao 24. Escrito por volta do ano 80 d.C.
Atos apócrifos de Pedro/introdução e tradução de Valtair Afonso Miranda. São Paulo: Paulus, 2018. Apócrifo escrito entre os anos 180 a 190 d.C.

LIMA, Albertino da Silva. DESCONSTRUINDO O “MAGO” EM SIMÃO: o estudo da magia no cristianismo primitivo, uma análise a partir dos Atos de Pedro. Dissertação: Universidade Metodista de São Paulo. 2017.

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