Na edição do dia 16 de Março de 1948, o "Jornal do Comercio" (AM) apresentava em suas Notas Policiais o caso "O seringueiro e o malandro".
A matéria conta que o "pacato" seringueiro chamado Valdemiro Morais, recém chegado na cidade de Manaus e saído da região do rio Juruá, estava na capital do Estado do Amazonas para "gozar as delicias da vida" com seus "alguns cobres" economizados com seu trabalho.
Seu patrão se mudara para a região do rio Purus e Valdemiro aproveitou a viagem. Chegando em Manaus Valdemiro encontrou um sujeito com o nome de Paulo Pereira de Castro, natural de Minas Gerais. O jornal afirma que por conta do seu "excesso de inteligência", Paulo de Castro já teria várias entradas no GIC (Grupo de Investigações e Capturas).
Paulo teria então aplicado um golpe no seringueiro Valdemiro. Segundo o jornal, Paulo de Castro ofereceu duas caixas de leite condensado para Valdemiro, no valor total de 120 cruzeiros. O seringueiro aceitou a oferta, mas teve que pagar o dinheiro adiantado. Paulo de Castro pegou o dinheiro e sumiu sem entregar as caixas de leite condensado. No entanto, foi preso depois que Valdemiro entrou em contato com "um guarda seu conhecido".
Em determinado momento da matéria o jornal destacava:
"É de salientar que Paulo viera para o Amazonas numa das levas de soldados da borracha, para cortar seringa".
O caso do "seringueiro e o malandro" nos permite refletir sobre como foi a vida dos "soldados da borracha" após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Esses "soldados" eram sujeitos vindos para a Amazônia, principalmente da região Nordeste do Brasil, por conta de problemas climáticos, imposições de "coronéis" locais, e convencidos pela propaganda da Ditadura Varguista.
A propaganda da Ditadura de Getúlio Vargas apresentava a Amazônia como um grande "espaço vazio" que precisava ser incorporado à "Nação". A partir de março do ano de 1942 se intensifica a mobilização da Ditadura para mandar mão de obra para a região Amazônica. Isso se deu por conta dos "Acordos de Washington", entre Brasil e Estados Unidos da América, que visavam a ampliação da base extrativista de borracha na Amazônia (SECRETO, 2007, p. 124).
Com a invasão japonesa na Malásia em 1942, principal fornecedora de borracha, foi necessário para os Estados Unidos encontrar outra forma de suprir a borracha necessária para a produção bélica. O investimento então foi no Brasil, que antes era quem dominava o mercado global de produção de borracha. Entre os investimentos está a criação do "Banco da Borracha", que hoje é o Banco da Amazônia, com capital inicial de cinquenta milhões de cruzeiros, com 40% de participação nas ações por uma agência dos EUA (NEGREIROS, 2011, p. 30).
Com o fim da guerra em 1945 a borracha da região Amazônica perdeu novamente sua competitividade no mercado. Mas e os Soldados da Borracha?
Apenas 10% voltaram para suas regiões de origem (NEGREIROS, 2011, p. 68). Muitos continuaram com o trabalho extrativista e viram o movimento de transformação da floresta em pasto. Movimento que gerou a expulsão agressiva tanto da floresta quanto de muitos seringueiros, que não tinham como continuar seus trabalhos. Muitos tentaram junto ao exército conseguir pelo menos um salário mínimo como reconhecimento pela luta que travaram no período de guerra.
No imediato Pós Guerra, em um mês do ano de 1948, temos a realidade de dois seringueiros: um "pacato seringueiro" e o outro "malandro". Qual teria sido a história de vida do "malandro" Soldado da Borracha?
Referências:
LIMA, Frederico Alexandre de Oliveira. Soldados da Borracha: das vivências do passado às lutas contemporâneas. 2013. Dissertação: Mestrado em História. Universidade Federal do Amazonas.
NEGREIROS, Marcelus Antonio Motta Prado de. Trajetória e memórias sobre a saúde de soldados da borracha em seringais do Acre. 2011. Tese: Doutorado. Universidade de São Paulo.
SECRETO, María Verónica. A Ocupação dos "Espaços Vazios" no Governo Vargas: do "discurso do Rio Amazonas" à saga dos Soldados da borracha. Revista Estudos Históricos, v. 2, n. 40, 2007, p. 115-135.
Jornal do Comercio (AM). 16 de março de 1948, p. 2.
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