Brechas de Incoerência

 


Um Estado Nacional é um jogo humano com regras que podem ser coerentes ou incoerentes. E brechas de incoerência colocam toda a coerência em risco.


Em 1964, para falar um pouco de história, o Supremo Tribunal Federal da época foi conivente com uma ação incoerente contra as regras do jogo. Uma incoerência que leva o nome técnico de Golpe. Pouco tempo depois de apoiar o Golpe, o próprio STF sofreu com a incoerência que aceitou legitimar. Porque quando abrimos brechas de incoerência, as regras coerentes passam a não fazer mais sentido com a nova lógica instaurada. O que antes era incoerência se torna a nova regra do jogo.


Dentro do jogo humano chamado Estado Nacional, existe a definição do que é Liberdade, instituída por regras que chamamos de Leis. 


Com essas Leis definimos aquilo que é Liberdade. Essa Liberdade é construída e mantida por humanos, com regras humanas (sou repetitivo de propósito neste texto). O indivíduo pode optar por se sujeitar ou não aquilo que lhe foi imposto como Liberdade. Ao não se sujeitar pode sofrer com as punições estipuladas pelas Leis.


Porém, como essa Liberdade é estipulada pelo jogo do Estado Nacional, das Leis e das interpretações a respeito das Leis, o que hoje está incluso entre as Liberdades amanhã pode não estar. A Liberdade que hoje existe para falar que um Governo é ruim amanhã pode não existir. Tal como em 64, ou mais efetivamente em 1968. Existia temor real de se manifestar publicamente contra o governo e ser pego pelas novas regras, que antes eram incoerentes.


Existem coerências que devem ser necessariamente mantidas. Para evitar brechas que possibilitem limitações contra a Liberdade e que sejam mais prejudiciais do que benéficas para uma vida menos ruim.


A vida natural e social em si é danosa. Inventamos casas para nos proteger da Natureza. Criamos regras jurídicas para nos defender uns dos outros e do próprio Estado que cria e mantém as Leis. A Liberdade, criada e mantida pelo Estado Nacional, pode ser mais ou menos restrita. Algumas brechas de incoerências abrem caminhos para restrições maiores e que fariam a vida geral pior. Afinal, constrói uma lógica institucional que define como coerente aquilo que antes era incoerente.


Eu realmente acredito que a decisão do sistema jurídico, de um Estado Nacional, que condena um comediante a mais de 8 anos por fazer piadas em shows, não é coerente com as regras do jogo atual e muito danoso para a garantia de uma vida social menos pior. Esse tipo de decisão é infinitamente mais perigosa que a soma das piadas pesadas desse comediante. 


Com um experimento mental, a única forma que eu vejo ser coerente uma condenação do tipo (ou até mais grave) contra um comediante, é se ele faz certos tipos de piadas em shows ao mesmo tempo que participa de redes, células ou movimentos, com potencial real de gerar danos graves e objetivos contra terceiros. Porque nesse caso, seria um indivíduo mobilizando politicamente a moral de apoiadores de um movimento extremista/fundamentalista.


Uma decisão como essa abre brechas para grandes incoerências em toda a estrutura lógica.


Piadas já podem levar um indivíduo a ser condenado à prisão. Será que em breve vão colocar na cadeia empresas e produtores de conteúdo que contam crimes como entretenimento para ouvir enquanto almoça?


O pior de tudo é que muitos dos que são contra um comediante receber uma condenação de mais de 8 anos, são os mesmos que aplaudem ataques como o contra o Charlie Hebdo ou Porta dos Fundos. Ou seja, abrem-se brechas por todas as paredes.


Creio que este seja meu último texto sobre esse assunto.

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