No processo revolucionário, o uso de mentiras para manipular a paixão popular contra a nobreza foi crucial.
Os líderes e simpatizantes ampliavam acusações de corrupção, de violências e criavam notícias falsas sobre membros da Monarquia.
O nome de Jacques Hébert é de grande destaque quando se fala em Fake News.
Quem assistiu ao filme "Napoleão" (2023), logo no início teve acesso a uma representação, muito bem realizada artisticamente, da execução da Rainha Maria Antonieta.
Porém, quase ninguém nas salas de cinema imaginava o fator fundamental que levou o povo a aceitar aquele momento histórico.
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Maria Antonieta aos sete anos. 1762. Jean-Étienne Liotard. Coleção: Schönbrunn Palace. Fonte: commons.wikimedia.org |
Para fazer a massa popular ser conivente com a Rainha sendo guilhotinada, Hébert criou uma grande notícia falsa.
Inventou que a Rainha Antonieta mantinha relações sexuais com o próprio filho, o Delfim Luís Carlos, na época com apenas 8 anos de idade. Forjaram um documento, assinado por Luís Carlos quando estava em poder dos revoltosos, que atestava abusos cometidos pela mãe.
Essa mentira, que hoje seria tratada também como machismo, ocasionou aversão popular. Literal repulsa contra a Rainha, que já sofria com impopularidade.
Conscientemente o objetivo dos revolucionários era extrair da massa popular qualquer sentimento de compaixão contra Antonieta. Destruindo qualquer impedimento para sua humilhação e execução públicas.
Verdade ou não, o povo se importa mais com a Paixão e não com a Análise Racional.
Jornais e políticos sempre fizeram das mentiras uma arma política. Apenas recentemente começaram a usar o termo "Fake News", como se essa lógica tivesse sido criada ontem.
Não foi a internet que criou o uso de mentiras como ferramenta política e de violência.
Na Revolução Francesa isso foi muito explícito.
E os mesmos líderes revolucionários, depois de usarem a mentira como arma, diziam ser defensores da "Religião da Razão".
SOBRE A FRASE DOS BRIOCHES
Fala-se que a Rainha teria exibido sua falta de conhecimento da realidade dos súditos, ou mesmo desprezo por suas mazelas, em uma pequena frase.
Com o acentuado problema no abastecimento de pão, divulgaram que a Rainha teria sido enfática em dizer: "Que comam brioches". Um alimento muito mais caro e nobre. Além disso, o pão era alimento fundamental da maior parte da população francesa.
Sabidamente a frase nunca foi proferida por ela.
Foi citada pela primeira vez em escritos de Jean-Jacques Rousseau, como sendo de uma "grande princesa", em uma época que Maria Antonieta ainda vivia na Áustria, com menos de 12 anos de idade.
Na realidade, no período revolucionário essa frase não foi atribuída a Rainha Maria Antonieta. O movimento de colocar na boca dela tais palavras só ocorreu em meados do século XIX.
Referências:
FRASER, Antonia. Maria Antonieta: a jornada. Tradução de Maria Alice Máximo. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
HUNT, Lynn Avery. The Family Romance of the French Revolution. Berkeley: University of California Press, 1992.
ISTOÉ - SENHOR. A Revolução Francesa - 1789-1989. Editora: Três, 162p., 1989.
Dell,
ResponderExcluirhá uma lucidez incômoda e necessária no que você escreve. Essa tua reconstrução histórica, feita com rigor e delicadeza, me faz pensar não apenas nas mentiras contadas mas na facilidade com que acreditamos nelas, sobretudo quando precisamos de um inimigo para nos sentir justos.
O caso de Maria Antonieta, como você bem mostra, é mais do que um episódio da Revolução Francesa: é um espelho cruel da manipulação emocional como estratégia política.
A mentira não foi apenas uma ferramenta foi um veneno destilado gota a gota até que ninguém mais quisesse saber da verdade.
Há algo profundamente simbólico em imaginar a Rainha não sendo executada só por seus erros, mas pelas palavras que nunca disse.
Pior: por uma acusação insustentável, repulsiva, criada para impedir qualquer gesto de compaixão. E o que me inquieta mais é essa frase tua, tão precisa:
“O povo se importa mais com a Paixão e não com a Análise Racional.”
É verdade. Somos arrastados pela narrativa antes de sermos convencidos pelos fatos.
Queremos emoção antes de contexto. E se a mentira nos oferece um vilão claro, uma revolta justa e uma catarse pública aceitamos. Mesmo que doa mais tarde.
Mesmo que a guilhotina acerte também os que aplaudiram. Teu texto me lembra que a história nem sempre é escrita pelos vencedores, mas quase sempre pelos que melhor souberam encenar.
Obrigada por trazer essa memória com tanta clareza.
É duro lembrar mas ainda mais perigoso esquecer.
Abraço
Fernanda!
Ótimas palavras, Fernanda.
Excluir"E se a mentira nos oferece um vilão claro, uma revolta justa e uma catarse pública aceitamos". Exatamente.
Nossa espécie não é tão racional quanto pensa. Somos limitados desde nossos hormônios até nossos neurônios.
Para alguns é mais fácil em muitas situações buscar ser racional e não apaixonada, mas para outros é quase impossível.
Acho importante tentarmos nos controlar, e tentar sermos racionais, o máximo possível.
Refletir sobre a História talvez ajude.
Agradeço o comentário.
Dell, teu comentário traz uma lucidez necessária e que, às vezes, dói. Somos criaturas emocionais, muito mais do que gostamos de admitir. A ilusão de controle racional cai fácil quando nossos afetos, medos e paixões entram em cena.
ExcluirEssa ideia de aceitar a mentira porque ela oferece um vilão claro é poderosa… Dá conforto, não exige nuances. Mas a verdade, essa sim, é complexa pede reflexão, desconforto, paciência.
E como você bem disse, olhar para a História é um bom começo. Ela nos mostra que o autoengano coletivo já foi palco de muitas tragédias mas também de aprendizados, se estivermos dispostos.
Obrigada por provocar o pensamento. Precisamos mesmo disso.
😘