Osage contra Pawnee: escravidão antes e durante os colonizadores




A vida era já muito complexa nas Américas mesmo antes dos colonizadores. Diferente do que o senso comum imagina, e muitas vezes é replicado nas escolas, a existência das nações nativas das Américas não era menos conturbada do que a das nações na Europa.

Não existia pelos lados daqui uma paz e harmonia entre os povos e a natureza. Pelo contrário, os grupos humanos daqui já conviviam entre parcerias e conflitos. O caso dos Osage e dos Pawnee, nativos dos atuais Estados Unidos da América, é muito significativo.

Osage Chief and Two Warriors (Chefe Osage e Dois Gurreiros). 1861/1869. George Catlin. Fonte: National Gallery of Art, www.nga.gov. 


Os Osage, desde muito antes dos europeus chegarem ao solo americano, eram uma nação que vivia entre os atuais Kentucky e Mississippi. Em tempos mais recentes (século XVII) passaram a se estabelecer em regiões do Missouri, Arkansas, Kansas e Oklahoma. 

Nesses processos históricos, construíram parcerias com outros grupos (após o contato com europeus, firmaram parcerias com as nações Kiowa, Comache e Apache - a falta de registros dificulta a reconstrução de suas parcerias anteriores aos europeus, mas evidências linguísticas sugerem que tiveram contato próximo com os Ponca e Kansa). Porém, a vida dos grupos humanos não é feita apenas de amizade. O processo de mudança de território também é muito conflituoso em qualquer lugar do mundo. Na América não seria diferente. 

Ao longo do tempo, os Osage criaram conflitos com outras nações, especialmente os Caddo e os Pawnee. A nação Osage se estabeleceu como forte e dona de um vasto território. A prática da captura de inimigos era comum. Poucos eram incorporados ao grupo, mas a maioria era transformada em escravos. O objetivo era utilizá-los em trabalhos forçados, aumento de status ou para fins ritualísticos (os humilhando ou matando em público)

Durante o contato com os europeus, especialmente os franceses no século XVIII, os Osage perceberam que seria benéfico ampliar as capturas de inimigos e os comercializar como escravos. O intuito era conseguir itens, como metais, bebidas e armamentos. Entre seus inimigos mais significativos, estavam os Pawnee.


Pawnee Indians. 1861/1869. George Catlin. Fonte: National Gallery of Art, www.nga.gov. 


Os grupos nativos se aproveitaram também dos conflitos entre os grupos europeus. Nesse caso, entre franceses e espanhóis. Pawnees e Apaches, por exemplo, buscavam as tecnologias de guerra dos franceses ou espanhóis para lutar seu próprio conflito (que era extremamente intenso). Já os Osage, pensavam em médio prazo quando estabeleciam seu comércio. Tentaram barganhar com os europeus, entre os séculos XVIII e XIX, uma espécie de monopólio comercial. Entre o fornecimento de cavalos e humanos escravizados, os Osage queriam a garantia de que seus parceiros econômicos da Europa não negociariam com os Pawnees.

O número de Pawnees capturados e comercializados pelos Osage foi muito significativo. Até transformou o termo, com uma pronúncia do francês (Panis), em sinônimo de "escravo indígena" - entre os franceses e canadenses. Os espanhóis teriam sido responsáveis diretos pelo fim do comércio de escravizados Pawnees pelos Osage. Os espanhóis pretendiam enfraquecer os Osage, grandes parceiros dos franceses, por meio de parcerias com Pawnees e dificultando a captura deles pela nação Osage.

Apesar da escravidão que os Osage praticavam contra os Pawnee ser obviamente diferente daquela que foi estabelecida no contato entre Osage e franceses, a meu ver não pode ser diminuída. Afinal, toda forma de escravidão é um ataque ao indivíduo escravizado. Qualquer escravidão deve ser lembrada como tal.


Referências:

BURNS, Louis F. A history of the Osage people. University of Alabama Press, 2004.

HARMAN, Maryellen Ruth. Entangled Trade: Peaceful Spanish-Osage Relations in the Missouri River Valley, 1763-1780. Masters Thesis Of Arts, History. Missouri State University, 2017.

ROLLINGS, Willard H. The Osage: an ethnohistorical study of hegemony on the prairie-plains. University of Missouri Press, 1995.


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