Em um dia qualquer no ano de 1892, quem tivesse 80 réis no bolso, ou fosse assinante, poderia ter acesso ao jornal Correio Paraense. No dia 21 de julho, o leitor do jornal teria acesso na primeira página a informações econômicas do Estado do Pará, anúncios de “puchados” para alugar (os valores não apareciam, e como não tinha “inbox” o interessado tinha que ir perguntar pessoalmente – depois disso até paramos de reclamar do “preço chama no inbox”) e alguns leilões. Entre anúncios de “relógios para senhoras, joias de valor, correntes de ouro”, vendidos pela “agencia Furtado” (não, não eram itens furtados, Furtado é apenas o sobrenome), apareciam também leilões de gêneros alimentícios.
Leilões de “diversos lotes de peixes vindo no vapor Japurá” ou de camarão vendido pelo “agente Guimarães”. Os itens desses leilões não eram necessariamente comprados pelo consumidor final. Frequentemente eram comprados para serem revendidos.
Já na página três do jornal, que no total possuía quatro páginas, entre notícias e outros anúncios, chamava atenção para o que acontecia “Pelas ruas...”. Segundo a pequena nota, em uma casa localizada no “largo da Pólvora” (hoje Praça da República) “A meia noite de ante-hontem” havia sido encontrado “um indio desconhecido”. O tal índio tinha aparecido no corredor da casa de Julita Julieta de Moura. Ainda se afirma que o índio estava lá “disque para roubar objectos existentes na sala”.
Logo abaixo, o leitor saberia que o “sub-prefeito da Sé” ouvia os relatos de testemunhas no presídio São José, em Belém, sobre a morte “do louco Satyro Manoel do Diabo”. Satyro do Diabo já era conhecido da polícia desde pelo menos o ano de 1886, quando foi detido por furto e “vagabundagem”. Teve outras prisões ao longo da década de 90, por crimes que variavam entre "embriaguez", furto, “vadiagem” e “crime de ferimentos leves”. Dias antes, Satyro havia sido ferido no tórax, com uma faca, pelo detento Manoel Leocadio.
Alguma semelhança desses casos com o noticiário dos dias atuais?
Olá Dell,
ResponderExcluirAh, que interessante perceber como nada muda de verdade, não é? Lendo esse relato de 1892, me dei conta de que o noticiário, no fundo, sempre foi uma mistura de economia, curiosidades e tragédias humanas só que hoje a diferença é que tudo chega mais rápido e, às vezes, mais escandaloso.
O índio desconhecido no corredor da casa de Julita Julieta me faz pensar em quantos “exóticos” ou inesperados aparecem diariamente nas redes sociais, causando espanto ou curiosidade momentânea. E Satyro Manoel do Diabo, com sua vida de pequenos crimes e reincidências, parece ter sido a primeira versão de tantas “notícias de cidade pequena” que viralizam até hoje: a história de alguém que todos conhecem e sobre quem sempre se comenta algo. No fim, o jornal antigo e o jornal de hoje parecem conversar entre si: o interesse humano pelo incomum, pelo cotidiano e pelo drama permanece intacto. Só mudaram os formatos antes eram quatro páginas de papel, hoje feeds infinitos de telas. E, confesso, às vezes fico pensando se a gente não reclama demais do “preço chama no inbox” quando, no fundo, sempre foi assim: a notícia chega, e a curiosidade humana corre atrás.
Abraço e desculpa a demora amigo.
Fernanda
É realmente muito impressionante a semelhança entre tempos tão diferentes! Sempre fico refletindo sobre isso. Agradeço o comentário Fernanda, não há motivos para pedir desculpas. Fico feliz com a visita por aqui. Saiba que mesmo quando não comento estou lendo postagens no seu ótimo blog.
ExcluirOlá Dell!
ResponderExcluirAdorei tua postagem. Ah, meu amigo, lendo teu relato dos idos de 1892 e respondendo a tua pergunta "Alguma semelhança desses casos com o noticiário dos dias atuais?", veio na minha cabeça a antiga expressão "tudo como dantes no Quartel de Abrantes". E não é? rs. Hoje em dia temos muita tecnologia, muita mídia para informações, mas, como no passado, sobra confusão e preconceito. No final das contas "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais". Não há novidades, tudo continua igualzinho ao passado, os mesmos interesses, as fofocas, os dramas e as maldades... enfim, a essência é a mesma. As modernas tecnologias apenas fazem o caos chegar mais rápido e "causar". Como disse a Fernanda, o formato é novo, mas, e agora digo eu: a vida segue velha, no mesmo diapasão, com o mesmo DNA.
Um abraço, Marli.
Agradeço o comentário, Marli. Que bom que gostou da postagem! De fato, a essência parece ser a mesma.
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