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As contribuições de Scruton para a EA - Parte dois.
Imagem construída a partir da foto disponível
em fronteiras.com e imagem de divulgação do livro.
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Nessa postagem se continua o proposto em “As contribuições de Roger Scruton para a Educação Ambiental - PARTE UM: APRESENTAÇÃO”. Aqui na segunda parte me ponho a apresentar como as críticas de Roger Scruton ao movimento ambientalista de nossos dias podem ser utilizadas para uma auto reflexão dos educadores ambientais, ambientalistas e pesquisadores do campo.
“Os problemas relacionados ao meio ambiente parecem estar tão fora de nosso alcance que ficamos à deriva, perdidos entre opiniões e políticas concorrentes, mas sem termos, de fato, um ponto de apoio, exceto nos rastros de nossas preocupações” (SCRUTON, 2016, p. 7).
Para compreender as propostas de Roger Scruton para o campo ambiental é importante refletirmos primeiramente sobre suas críticas ao movimento tal como se apresenta hoje, grande parte das vezes pelo menos.
A citação anterior é o início do prefácio de “Filosofia Verde: como pensar seriamente o planeta”. Com ela podemos começar a adentrar as críticas de Scruton sobre as visões mais frequentes de muitos ambientalistas.
Para muitos a problemática ambiental teria se tornado tão grande que nós não teríamos a mínima possibilidade de fazer algo. Scruton apresenta essa noção como uma problemática. O autor destaca que dentro dessa lógica damos créditos aos alarmistas “pois ninguém é tão sombrio sem uma razão” ou aos céticos “uma vez que nos oferecem esperança”. Nesse jogo, as soluções ficariam relegadas às ações governamentais, afinal somos pequenos demais para fazer algo. Surgiriam então os projetos de grande escala deixados “nas mãos dos burocratas”. Scruton aponta contradições nesses quando em um momento anunciam enormes projetos de energia limpa e no outro prometem expansão de aeroportos e rodovias, além de subsídios para a indústria de automobilística.
Um ponto muito importante nessa crítica de Roger Scruton é a de que “Nenhum projeto de larga escala terá êxito se não estiver enraizado no raciocínio prático de pequena escala”. Sua crítica, e ao mesmo tempo proposta, é de que para a implementação de grandes projetos que funcionem é necessário o “recrutamento” do cidadão comum. O autor se afirma como contra as políticas “de cima para baixo”.
Essa noção é importante para educadores ambientais no Brasil refletirem. Afinal, nossa legislação ambiental é uma das melhores do mundo, mas a população normalmente não a conhece e dessa forma nem mesmo tem como desenvolver o interesse por ajudar em sua aplicação – já que nem sabe de sua existência. Não me refiro apenas às legislações contra o desmatamento na Amazônia (que posteriormente no livro Roger Scruton reconhece como um dos campos que apenas a atuação do Estado pode suprir um controle mais efetivo, porém com necessidade de conscientização do cidadão comum), mas também as voltadas ao ambiente urbano.
Em cidades como Ananindeua (PA) ou Belém (PA) não é nada incomum se deparar com uma família que paga alguém para se livrar de alguns entulhos, sejam materiais velhos que precisam de destino depois de uma reforma na casa ou móveis que não são mais usados. Isso muitas vezes se torna incômodo e motivo de reclamação apenas quando esses materiais são despejados na frente, ou muito próximos, da entrada de alguma residência. Porém os mesmos moradores que reclamaram, outro dia estarão pagando alguém para realizar o mesmo feito. Existe legislação que proíbe, o município pode ser alertado para tomar atitudes, mas não existe a conscientização da população sobre a importância de lutar contra essas práticas. Contra as doenças e a “quebra” da paisagem que provocam. Uma das soluções apresentadas por Scruton é a formação de “Pequenos Pelotões”, mas esse é assunto para outro momento, porém necessário apontar que as críticas do autor sempre estão ligadas com propostas.
Outra crítica levantada pelo autor é a ideia de que o movimento ambientalista seria necessariamente “de esquerda” – aspas do próprio autor. Essa visão seria presente tanto pelos representantes quanto opositores do movimento, mas o autor apresenta um pequeno histórico da preocupação ambiental para mostrar que isso não é real. Volta-se rapidamente para os movimentos da Grã-Bretanha no século XIX, ao ambientalismo estadunidense, ao ambientalismo francês de conservadores e do alemão do início do século XX. Perspectiva importante para pensarmos a complexidade do movimento ambientalista.
O autor aponta para um fato de relevância para os educadores ambientais e também para os ambientalistas. Esse fato é o de que não apenas em uma economia de mercado “estragos ecológicos” são gerados. Ressalto que para muitos ambientalistas, isso, que deveria ser lógico, não é levado em consideração. Essa lógica é substituída por uma noção de que apenas uma “Revolução” contra o “Capitalismo” poderia resolver os problemas ambientais. Mas o que viria depois? Quando pensam nessa parte, normalmente o “Socialismo” é apresentado como tal caminho.
No entanto, não podemos apagar da história que os modelos econômicos anti mercado, socialistas, que se instauraram causando tantos problemas quanto podem ser observados no modelo econômico voltado para a economia de mercado. Scruton cita as coletivizações forçadas, a “industrialização caótica”, projetos de remanejamento populacional errôneos e mudanças drásticas no curso de rios e paisagens como alguns dos problemas gerados por modelos econômicos centralizados como na União Soviética e na China.
Creio que seja importante ressaltar tais problemas ambientais como resultantes das propostas Socialistas de economia. Dessa forma conseguimos perceber que não é uma “Revolução contra o Capitalismo” que vai solucionar todos os problemas do mundo. Os problemas podem aparecer em qualquer modelo econômico e podem ser solucionados também em qualquer modelo econômico, pois esses são feitos por animais humanos e não por divindades. Porém também é necessário reconhecer que na economia de mercado mais soluções foram apresentadas, além das capacidades desse mesmo modelo em incentivar muitas outras (ver “Capitalismo Natural: criando a próxima revolução industrial” de Amory Lovins; L. Hunter Lovins e Paul Hawken. Não confundir com o termo “capitalismo verde” como entendido por críticos da economia de mercado afirmando que as empresas apenas fingem atuação de forma sustentável – que é uma crítica que Scruton apresenta tanto para as políticas globais e nacionais como para o empresariado e principalmente as multi nacionais, apresentando soluções para tal problema).
Compreender a economia de mercado como o grande problema da questão ambiental, e que a única forma de solucionar tal equação é anulando esse modelo econômico, além de ser uma lógica ingênua é perigosa. Divinizar um modelo econômico em relação a outro ignora que tais modelos são concebidos e geridos por animais humanos, logo, não perfeitos. Focar um movimento ambientalista ou a Educação Ambiental na luta contra “o capitalismo” como única solução possível é seguir os mesmos erros cometidos no passado, que pensavam ser impensável que em modelos Socialistas problemas ambientais aparecessem, afinal:
“De acordo com o convencional dogma Marxista-Leninista, a degradação ambiental era precipitada pela lógica do capitalismo e seus implacáveis incentivos de lucros” (DÍAZ-BRIQUETS; PÉREZ-LOPES, 2000, p. 17. Tradução minha).
Scruton, por sua vez, também volta sua crítica para alguns daqueles “que se autodenominam conservadores” no campo político. O autor apresenta que esses muitas vezes avaliam a política com uma lógica estritamente dicotômica: liberdade individual e o controle estatal. Então, a liberdade individual supõe a liberdade econômica, na lógica desses autodenominados conservadores isso implica na liberdade de explorar os recursos naturais para fins financeiros. Roger Scruton mostra que nessa lógica estariam permitidas as madeireiras que devastam as florestas tropicais, as mineradoras que decepam as montanhas, a empresa automobilística que produz interminavelmente gigantes números de veículos, os fabricantes de refrigerantes com sua gigantesca produção de embalagens plásticas. Mas o autor enfatiza que “[...] uma resposta conservadora plausível não sairia em defesa de uma irrestrita liberdade econômica, mas reconheceria os custos dessa liberdade e viria ao encontro de medidas para reduzi-los” (SCRUTON, 2016, p. 14). Destaca a importância da livre iniciativa, mas também do Estado de Direito que as contenha.
Outra crítica de Scruton que deve ser refletida por todos nós é a de algo que ele chama de “externalização de custos”, Valdo H. Barcelos chama de “exterioridade ao problema”, e eu prefiro chamar de “terceirização de responsabilidade” (até porque em um cenário atual brasileiro o termo “terceirização” causa mais impacto).
Isso seria jogar os problemas ambientais para outro alguém que não seja “nós”. Esse “nós” pode ser uma empresa, que Scruton comenta que podem externalizar os custos ambientais para outros, ou esse “nós” podem ser você e eu. Afinal uma economia de mercado é feita de consumo, não? Continuamos terceirizando nossas responsabilidades com os grandes desperdícios de água e consumo de exagerados níveis de carne bovina. Afirmamos sempre que quem mais gasta água e desmata é o agronegócio e o responsável por fazer algo também é esse. Mas desconsideramos que a água necessária para criar um pequeno espetinho de carne que consumimos em grande quantidade é o suficiente de água para tomarmos mais de sete banhos. Ou mesmo deixamos para lá o fato de a carne bovina ser a maior causadora de desmatamento na Amazônia brasileira. Preferimos “zoar” com os vegetarianos e veganos. Ou seja, quem ajuda a manter práticas nocivas é o consumo. Consumir empresas mais sustentáveis é direcionar o mercado para esse lado. Não basta terceirizar a responsabilidade para empresas sem levar em conta que a base do funcionamento de qualquer negócio é o consumo – qualquer pessoa que empreendeu em qualquer negócio sabe disso, seja uma loja de roupas ou venda de empadas, mas muitos infelizmente não percebem algo tão óbvio.
Para tanto, Roger Scruton nos apresenta que:
“Temos, no entanto, de aprender uma lição com Burke, Hegel e De Maistre: reconhecer que a proteção ambiental é uma causa perdida, caso não encontremos os incentivos que levariam as pessoas em geral, e não somente seus representantes a defendê-la.” (SCRUTON, 2016, p. 22-23)
Devemos reconhecer que é muito comum ouvir pessoas desprezando a questão ambiental por considerar que isso só vai ocasionar problemas em um futuro distante. “Até lá nem tô mais vivo” é comum de ser ouvido de diversas pessoas, mesmo das que possuem filhos pequenos. O desenvolvimento de incentivos para agir é um fator de importância.
As críticas de Roger Scruton são importantes para pensarmos a Educação Ambiental e o ambientalismo. A partir dessas críticas o autor apresenta suas propostas de solução. Essas visam uma colaboração solidária de conscientização da base local para construção de políticas em âmbito nacional e internacional que realmente surtam efeito, mas esse é tema para outro momento.
Para terminar, por enquanto, destaco que precisamos perceber a importância de contestar as afirmações de que “Os vizinhos sabem há muito tempo o que fazer e não fazem mais porque as grandes políticas não ajudam” (MENDES, 2020). Olhando ao redor do mundo real percebemos que isso está longe da verdade, pois se assim o fosse a Educação Ambiental se tornaria desnecessária.
Referências:
BARCELOS, Valdo HL. Escritura" do mundo em Octavio
Paz: Uma alternativa pedagógica em educação ambiental. Educação
ambiental: Pesquisa e desafios, 2005, p. 77-97.
DÍAZ-BRIQUETS, Sergio; PÉREZ-LÓPEZ, Jorge F. Conquering
nature: the environmental legacy of socialism in Cuba. University of
Pittsburgh Pre, 2000.
HAWKEN, Paul; LOVINS, Amory B.; LOVINS, L.
Hunter. Capitalismo natural: criando a próxima revolução industrial. Editora Cultrix, 2002.
MENDES,
Moisés. O fim do duelo entre Greta e Scruton. Diário do Centro do Mundo. 2020.
PETERSON, D. J. The
Legacy of Soviet Environmental Destruction. 1995.
SCRUTON, Roger. Filosofia Verde: como pensar
seriamente o planeta. É Realizações Editora Livraria e Distribuidora LTDA,
2016.
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