Lula
recebe faixa presidencial de FHC em 2003. Foto de Orlando Kissner.
Um conceito que remonta do século XIX, a
Social Democracia ganha visibilidade como um modelo de socialistas do século XX
que se distanciavam cada vez mais das ideias revolucionárias marxianas e marxistas.
Com o passar da história o conceito de Social Democracia torna-se sinônimo de
políticas aos modelos de John Keynes. As formas de observar o passado e viver o
presente daqueles da Social Democracia compreendiam que para solucionar os
problemas de uma economia de mercado a derrubada de suas bases não era a única
solução (como prega a teoria de Marx e dos marxistas).
Muito mais viável seria manter um Estado que
vive em uma economia de mercado, mas não aos moldes de uma “sociedade livre”
como pensada por Adam Smith e sim com o reconhecimento do papel que o Estado
possui para alcançar um bem estar social e diminuir problemas. O livre mercado
não iria sozinho resolver todos os problemas da sociedade, mas o Socialismo tão
pouco seria a solução.
Não se pretende aqui discutir a história da
Social Democracia. O problema levantado aqui é o que o título adiantou. Por que
o brasileiro odeia a Social Democracia?
Muitos se asseguram, até longa idade, aos hormônios
adolescentes que clamam por uma “revolução” do proletariado como se fizessem
parte do Proletariat definido por
Marx. Esses hormônios clamam por uma revolução em que apenas o inimigo sangre e
aceite passivamente a revolta. A revolução iria colocar um fim ao modelo de
economia de mercado. Para esses, a ditadura do proletariado que emergiria iria com
certeza terminar com todos os males do mundo. Aos olhos desses a Social
Democracia é um modelo que se entrega para aquilo que chamam de “Capital” e
deve ser combatido como um modelo “de Direita” (não comentarei aqui esses
termos de “Direta” e “Esquerda” que a meu ver são extremamente desnecessários e
mais problemáticos do que úteis).
Vários outros colocam as experiências que
tivemos como possibilidades para a Social Democracia no Brasil dentro de conceitos
como Socialismo e Comunismo – uma banalização desses conceitos que não é
nenhuma novidade. Fernando Henrique
Cardoso (FHC) e Luís Inácio Lula da Silva, governos que nitidamente seguiram
dentro da lógica da Social Democracia, são apresentados por esses como
conspiradores Comunistas que teriam colocado o Brasil em uma política do Café
com Leite (leitura que já é pobre mesmo quando aplicada para o período brasileiro
conhecido como de Primeira República).
Tratemos no princípio do segundo caso.
NO
BOLSONARISMO
Percebo, em minha análise até o dia de hoje,
que ao taxar FHC e Lula como Socialistas o que se faz não é querer categorizar
ambos dentro daquilo que o Socialismo de Marx ou o Socialismo de Henri de Saint-Simon
entendiam como Socialismo. O uso dos conceitos de “Socialismo” e “Comunismo” é
apenas político contra uma forma de ver o passado, lidar com o presente e
projetar o futuro que os governos com horizontes de Social Democracia
apresentaram.
Os intelectuais nas Academias do país se contentam
em responder apenas que afirmar os governos de FHC e Lula como
Socialistas/Comunistas é uma atitude lunática. Sim, é lunática se for feita por
alguém também da Academia, mas quando é feita por um grande número de pessoas,
como aconteceu e acontece, é necessário entender.
Os Bolsonaristas entendem que existe ligação
entre Lula e FH e classificam os dois como membros de uma “esquerda socialista”.
O elo entre Lula e FHC que é percebido, e muito odiado pelos Bolsonaristas, são
os horizontes de Social Democracia que vislumbramos com FHC, Lula e Dilma.
Os caminhos da Social Democracia, dentro
dessa lógica, estariam ligados com o “Marxismo Cultural” (conceito apresentado no
Brasil por Olavo de Carvalho que não cabe discutir aqui, mas que a Academia
deveria analisar com seriedade).
O pensador que influencia grande público do
Bolsonarismo, Olavo de Carvalho, realiza a ligação do Marxismo Cultural com a
Social Democracia por meio de Eduard Bernstein[1].
Olavo de Carvalho apresenta Bernstein como o “primeiro tucano” em referência clara
aos anos de governo e partido de Fernando Henrique Cardoso.
NAS
UNIVERSIDADES
Na Academia o ódio contra a Social Democracia
é seletivo. Ele existe quando o sujeito é FHC, mas quase desaparece quando o
sujeito é Lula. Digo quase desaparece porque ele chegou a aparecer contra Lula
nos primeiros anos de seus mandatos. Hoje na Academia parece existir apenas
contra Fernando Henrique Cardoso.
O motivo do ódio é principalmente uma das
características da Social Democracia: privatizações selecionadas.
A lógica das privatizações na Social
Democracia é a de diminuir gastos por parte do Estado para dessa forma
possibilitar mais atuação em projetos sociais.
Quando FHC iniciou essa lógica foi
prontamente apresentado em diversos trabalhos acadêmicos com um conceito que
foi transformado em uma palavra qualquer pelos trabalhos acadêmicos do Brasil.
O conceito de Neoliberal foi, e continua sendo, utilizado para se referir aos
governos de FHC. Da forma que o conceito é utilizado em trabalhos acadêmicos
apresenta tanta consistência quanto o conceito de Marxismo Cultural de Olavo de
Carvalho, mas caminho em pesquisa para discutir isso mais profundamente em
outro momento.
Por conta principalmente de privatizações o
governo de FHC aparece como Neoliberal, ou mesmo o PSDB afirmado como sempre
sendo um partido Neoliberal[2],
e os três primeiros anos do governo Lula também como um governo que continua o “plano”
Neoliberal.
Alguns trabalhos reconhecem os caminhos da
Social Democracia nos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Lula[3],
mesmo que caiam no uso acrítico do conceito Neoliberal.
Não é preciso muito esforço pra perceber que
a lógica dos governos FHC e Lula foram vislumbre do caminho pra Social
Democracia, mas os acadêmicos preferem utilizar o conceito Neoliberal como um
termo qualquer e aplicar para os governos de ambos.
O que se percebe é que para muitos trabalhos da
Academia no Brasil toda e qualquer privatização é sinônimo de Neoliberalismo. O
que torna a Social Democracia, aos olhos desses, um Neoliberalismo que não
aplica todos os “planos neoliberais”. A Social Democracia causa certo ódio para
muitos também por aceitar a economia de mercado e não ser defensora de um
horizonte Socialista, não ter pretensão de colocar abaixo a estrutura “burguesa”
da sociedade. Um ódio pela economia de mercado causa o ódio pela Social
Democracia.
HORIZONTES
DE EXPECTATIVAS
Penso que no Brasil a Social Democracia é um
caminho possível para melhorias. Olhar para a experiência do modelo nórdico e
tomar estruturas como as de John Keynes como referências devem ser o dever de
casa para aqueles que querem melhorias reais. A Social Democracia brasileira
deve necessariamente abandonar o Socialismo como horizonte de perspectiva. Os
desejos por Socialismo e Comunismo que já vimos ao longo da história dos
animais humanos sempre acabam em ditadura, porque desde suas bases teóricas só
funcionam com ditadura (as análises de Friedrich Hayek são interessantes para
pensar um Estado que tem o Socialismo como horizonte, mas os próprios escritos
de Marx deixam muito claro que a ditadura para os Socialistas é indispensável).
Os governos PSDB e PT são vistos por muitos
da Social Democracia pelo mundo como projetos de Social Democracia para o
Brasil. O que a meu ver é inegável ao se olhar a realidade. Para muitos observadores
fora do país é nítido que o Brasil caminhava rumo a uma Social Democracia[4],
caminho cortado com a eleição de Bolsonaro. O apoio de Sociais Democratas
europeus a Lula, na época de sua prisão, é instigante para refletir mais sobre
os caminhos que sua política abriu para a Social Democracia no Brasil.
A Social Democracia no Brasil deve lutar por
melhorias dentro do modelo de economia de mercado, reconhecer o papel do Estado
para melhorias sociais, construir uma economia de mercado que leva as questões
ambientais como assunto central e não como um detalhe, e defender a Democracia (algo
que é óbvio, mas nos dias de hoje deve ser ressaltado).
Algumas
Referências:
GARCIA, Marco Aurélio. PT¿ Socialdemocracia o comunismo?. Nueva sociedad, n. 114, 1991, p.
30-42.
BOITO JR, Armando. A hegemonia neoliberal no governo Lula. Crítica marxista, v. 17, 2003, p.
10-36.
SADER, Emir. 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma. Boitempo
Editorial, 2015.
MOLLO, Maria de Lourdes Rollemberg; SAAD-FILHO, Alfredo.
Neoliberal economic policies in Brazil (1994–2005): Cardoso, Lula and the need
for a democratic alternative. New Political Economy, v. 11, n. 1, 2006, p. 99-123.
VIEIRA NUNES, Ione Cristina; SILVA BRAGA, Lucelma. A reforma
da Educação Superior no Brasil: da herança neoliberal de FHC ao legado de Lula. Revista Desafios, v. 3, n. 1, 2016,
p. 68-79.
[1] CARVALHO, Olavo
de. Do Marxismo Cultural. Disponível em: https://olavodecarvalho.org/do-marxismo-cultural/
Acessado em: 20/06/2020.
[2] Ver: VIEIRA,
Soraia Marcelino. O Partido da Social Democracia Brasileira: trajetória e ideologia. Tese de
Doutorado. 2012. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
[3]Ver:
THOMÉ, Débora. O Bolsa Família e a social-democracia. Editora FGV, 2015.
Ver:
MACIEL, Suellen Neto Pires. Os programas de governo do Partido dos Trabalhadores nas eleições
presidenciais brasileiras entre 1989 e 2002: uma investigação do tempo
presente. 2013.
[4] MILZ, Thomas. A Social-Democracia evitará o próprio
suicídio? Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/a-social-democracia-brasileira-evitar%C3%A1-o-pr%C3%B3prio-suic%C3%ADdio/a-45538364
Acesso em: 20/06/2020.
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