Os animais de Otto Franz Scholderer (1834-1902)

Nascido na cidade de Frankfurt am Main, no ano de 1834, Otto Franz Scholderer era filho de Johann Christoph Scholderer e Emilie Scholderer (nascida Emilie Kiefhaber). Enquanto sua mãe cuidava da casa e dos filhos, seu pai trabalhava como professor na Musterschule, uma escola de ensino secundário.


Autorretrato com utensílios de pintura. 1861/62. Coleção: Städel Museum. Fonte: commons.wikimedia.org.


Johann, o pai do artista, foi político por curto período. Foi eleito, em 1848, para a Assembleia Constituinte da cidade, mas renunciou no ano seguinte: 1849. Foi nesse mesmo ano que Otto Scholderer entrou para a Academia de Arte de Städel, localizada na cidade em que nasceu e cresceu. Entre seus professores, teve Jakob Becker, um importante nome do Realismo na Alemanha.

O artista teve certo reconhecimento durante seu período na Inglaterra. Porém, ainda antes de seu retorno à Alemanha, aos poucos perdia destaque e, nos dias de hoje, é frequentemente mencionado como um pintor que caiu na "obscuridade".

Não se consolidou como um grande nome na História da Arte, como aqueles que inspiraram sua arte: Édouard Manet e Gustave Courbet.

Suas pinturas representaram paisagens, retratos e, especialmente, natureza-morta. Atualmente, Scholderer é visto como um artista que produziu obras que estavam entre o Romantismo e o Impressionismo.

É um artista que aprecio muito, especialmente quando mistura humanos e animais. Apresento aqui duas de suas obras. Talvez não sejam obras finalizadas. Afinal, são desenhos que provavelmente serviriam como estudo para uma pintura. Comento brevemente cada um.

Der junge Wilddieb (O jovem caçador furtivo). 1889. Coleção: Städel Museum. Fonte: Sammlung.

Esse é um desenho feito com giz preto em papel artesanal (Büttenpapier). Scholderer representa uma cena de caçada. Os protagonistas são o pai (sentado olhando para o espectador, que observa o momento), o filho (segurando próximo ao corpo sua caça) e, não se pode deixar de notar, o cão de caça que, sem dúvida, foi fundamental para o sucesso da empreitada (e ainda se mantém muito atento).

A característica de furtividade dos caçadores, expressa também no título, foi indispensável para a captura. Os animais capturados, que servirão de alimento ou serão comercializados pela família, aparentemente são lebres. Espécie muito presente nas pinturas de Otto Scholderer. Sempre representados como natureza-morta. Os cadáveres de lebre, resultantes das caçadas, são desenhados e pintados pelo artista que observava a vida rotineira.

O campo é o ambiente onde se desenvolve a ação dos protagonistas.

No desenho seguinte, saímos do campo para o ambiente da cidade. As duas cenas poderiam até ser vistas como complementares. Afinal, observaremos agora o local de venda de caças.


No vendedor de carne de caça (Beim Wildbrethändler). 1890. Coleção: Städel Museum. Fonte: Sammlung.

A técnica utilizada para o desenho é a mesma. O ambiente, como pode ser visto, é muito diferente. Retrata o interior do ponto de venda de um comerciante de carne de caça. Uma lebre é suspensa, morta, entre aves igualmente abatidas.

Em primeiro plano, dois homens dialogam sobre algo. Um deles segura um cesto cheio, o outro mantém uma faca na mão direita, enquanto ajusta o avental. Os desatentos talvez não percebam, mas ao fundo uma mulher está atenta, saindo de dentro do outro cômodo. Ouve os homens ao mesmo tempo em que enxuga suas mãos. Quem sabe, os homens discutem sobre alguma entrega, e a mulher limpa as mãos depois de retirar a pele de alguma caça. Nunca saberemos.

A cena deste segundo desenho aparece em outros momentos na arte de Scholderer. Conheço duas pinturas finalizadas, atribuídas a ele, que registram algo muito semelhante. Além de outros desenhos.

Podemos concluir que o artista percebeu e contemplou os ambientes de abate e venda de caças. Os animais de Scholderer, nessas cenas, aparecem já sem vida. Abatidos pelo cotidiano dos animais humanos, que também precisam comer. Comem para viver e para saborear. 

Por isso, caçam para si ou para comercializar.

Essas obras nos lembram que a vida comum pode sempre ser vista como uma obra de arte.

2 comentários:

  1. Dell, seu texto nos leva com delicadeza a um tempo em que o cotidiano era digno de ser eternizado no traço. Scholderer talvez tenha sido esquecido nos salões da fama, mas sua atenção ao detalhe, ao ordinário que sustenta a vida o gesto de caçar, de vender, de limpar as mãos revela um artista que enxergava poesia onde muitos só viam hábito. É bonito ver como você nos lembra que há beleza também naquilo que morre para nos manter vivos. A arte, nesse caso, não glamoriza: ela apenas contempla, como você tão bem fez.

    Obrigada,
    Fernanda!

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    1. Obrigado, Fernanda. Scholderer é um artista que aprecio bastante. O cotidiano que ele registrava é contemplável, mesmo com cadáveres animais, cena que pode ser vista como grotesca. Principalmente vista presencialmente. Já a mais grotesca das cenas, eu penso há algum tempo, quando transformada em pintura se torna uma realidade contemplável. Afinal, não é vida e sofrimento de fato, mas uma criação artística com tela e tinta. O fato em si pode ser assustador, mas quando em uma pintura ele gera mais encanto do que repulsa. As representações de Saturno devorando seus filhos são exemplos: como a pintura do Francisco de Goya (aqui: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Francisco_de_Goya,_Saturno_devorando_a_su_hijo_(1819-1823).jpg) ou de Peter Rubens (aqui: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rubens_saturn.jpg).

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